Moderna Casa Grande (projetada por Niemeyer)...



A escravidão no Brasil perdurou por 386 anos. São quatro quintos da nossa história. Na escravidão, os Senhores, ou as Senhoras, moravam na Casa Grande, com todos os privilégios. E os escravos se amontoavam na Senzala.
Uma escravidão de quase quatro séculos deixa uma ferida profunda em qualquer sociedade. Muito fica, permanece nos hábitos, mesmo que muito se dilua no tempo e nos costumes. O hábito de voar nos aviões da FAB não nasceu do nada. E sobrevive porque as raízes culturais são profundas.
Todos esses Senhores e as Senhoras que voam e revoam são conhecidos como "Pessoas Muito Importantes" (pelo menos pensam que são). Eles são membros da Elite, são VIPs, para usar uma expressão tão cara aos mundos de Caras. Assim é e tem sido o Brasil desde sempre. Assim é no céu como é na terra.
É claro que existem VIPs mundo afora, mas por aqui tem sido cada vez mais comum espaços reservados para os ainda mais VIPs. E uma coisa é ser VIP no mundo privado; ai é uma questão de gosto (ou de mau gosto, ou ego). Outra coisa são VIPs usando e abusando de bens e espaços públicos, como se fossem seus. Como no caso dos aviões da FAB.
Ou como em tantos outros exemplos no Brasil. Vejam alguns. Um deles é o caso dos camarotes. Tem os que são privados, como o do Luciano Hulk na final da Copa no Maracanã, onde vai quem é convidado. E também quem não deveria ir. E tem, como na Bahia, camarotes privados que invadem espaço público.
Um enorme camarote, chamado Salvador, ocupa a via pública no bairro de Ondina nos carnavais. Já há anos sua montagem começa logo nos dias seguintes ao Natal. 
A via pública é escandalosamente tomada prejudicando o trânsito e não há quem consiga impedir. E não é só isso: a montagem da "camarotagem", como quem não quer nada, mas querendo, ocupa também calçadas impedindo o transito de pedestres, num total desrespeito a legislação municipal e com total complacência e conivência da municipalidade.
Nesse mesmo carnaval, blocos privados usam "cordeiros" nas ruas. "Cordeiros" são pessoas que recebem uma miséria para, com cordas, proteger blocos privados. Para tal proteção ocupam o espaço que é público, expulsam das avenidas e esmagam nas calçadas (quando há) quem não pode pagar para fazer parte dos blocos.
Tudo isso transmitido por emissoras de TV para todo o país e exterior há décadas. E já assimilado, inclusive pelos anunciantes, como se tudo fosse muito natural e normal. Assim, na terra é como é nos céus e os membros da nossa elite brincam de ser deuses.
Na Copa que acabou de acabar só entrou nos estádios quem tem dinheiro, embora tenham sido construidos com dinheiro público dos impostos de todos e que deveria estar é sendo usado para resolver a situação de caos da educação e da saúde. Multidões brancas num país também mestiço e negro. Na Flip, de Paraty, Gilberto Gil falou sobre isso. Gil foi um raro negro brasileiro protagonista numa Flip de plateias brancas.
Estatísticas nacionais e internacionais (nossa e ainda tem quem acredita em estatísticas?) mostram: nos últimos 15 anos o país teve acentuada melhora nos indicadores sociais. Mas nem por isso deixou de ser a segunda pior distribuição de renda do mundo. Pior que o Brasil, só Serra Leoa, na África (interessante que isto as propagandas institucionais de nosso governo não divulgam).
Quase quatro séculos de escravidão; VIPs, camarotes e aviões da FAB; vergonhosa distribuição de renda e de privilégios… E a novidade, que brota das ruas: até que enfim o escândalo de antigos privilégios como o dos aviões, que não são de carreira, é percebido pelo povo das senzalas no seu processo de despertar. Esperamos que continuem a despertar...



Antiga Senzala...


 
Moderna Senzala...




Fonte: http://terramagazine.terra.com.br/