Com até 120 metros de diâmetro, centenas de anéis de terra no Rio Grande do Sul intrigam pesquisadores. Confira as imagens de satélite e tire suas próprias conclusões. |
Brunos Farias |
Visíveis até do espaço, centenas de anéis de terra no sul do país guardam um mistério sobre suas verdadeiras origens e funções. Com até 120 metros de diâmetro e presentes em diversas cidades do Rio Grande do Sul, segundo alguns moradores locais, estas estruturas seriam cercas de terra feitas por escravos no início da colonização. Nas mesmas rotas onde elas estão localizadas, entre Pelotas e Dom Pedrito (RS), também existem currais de pedra circulares com as mesmas proporções, velhas conhecidas da cultura gaúcha. Mas mesmo assim há quem cogite a possibilidade destas construções, apelidadas de geoglifos por serem melhor visualizadas do alto, terem raízes mais profundas, remontando à pré-história. Construções usando taipas de pilão, feitas com argila, galhos e varas prensados, eram comuns no Brasil colonial. Currais de pau-a-pique parecidos também costumavam ser utilizados para marcação de gado, conforme conta o autor uruguaio Aníbal Barrios Pintos em seu livro “De las vaquerias al alambrado” (Ediciones Del Novo Mundo, 1967). No Uruguai e em Santa Vitória do Palmar (RS), alguns desses círculos cercados de árvores, já citados em 1820 por Auguste Saint-Hilaire, foram documentados como “currais de palmas”. Segundo Pintos e os historiadores André Oliveira e Cláudia Teixeira, depois de cavadas as valas, eram transplantadas mudas de palmeiras, que tinham os espaços entre elas fechados com tiras de couro. Ao ver imagens das supostos cercados, Oliveira concordou com a versão contada pelos moradores: “Essas estruturas se parecem com os currais de palmas encontrados nesta região onde é peculiar a palmeira Butiá capitata. Realmente devem ser encerras, ou seja, currais. No caso de serem de terra deve-se analisar melhor as elevações, provavelmente realizadas por escravos”. O pesquisador estima a idade dessas construções em aproximadamente 200 anos, mesma opinião do professor Joaquim Dias, formado em História e expert no passado de Capão do Leão, que diz que “a época pode se situar desde 1780 até 1900, ou seja, é muito tempo”. Os arames de metal só chegaram ao estado na década de 1870. Antes disso, as cercas eram feitas com muros de pedra ou com outros materiais como valas cavadas no chão, madeira beneficiada, ananás, bananeiras, pessegueiros e outras árvores frutíferas, bromélias, espinheiros, cana, cactus e até de pau-a-pique. Diferentes fontes falam das rotas usadas para transporte de vacas, cavalos e mulas passando por essa região já a partir do século XVIII, e foi encontrada em um antigo inventário menção a uma Estrada Real passando pelo local no século XIX. Além dos relatos de diversos moradores que chamam a Estrada do Passo dos Carros entre Capão do Leão e Pelotas, onde estão localizados alguns desses enormes círculos, de “Corredor das Tropas”. Existem também inúmeras citações dos currais sendo usados pelos colonizadores da região durante o século XVIII, na época da preia do gado cimarrón, antes pertencente aos jesuítas. Segundo mapas antigos e outras referências, os tropeiros que transportavam esses animais realmente passavam por ali, além de fotos e textos situarem algumas desses currais de pau-a-pique e de pedra nos atuais municípios gaúchos de Pelotas, Capão do Leão, Aceguá, Bagé e em outras cidades próximas. Porém, mesmo sendo tão falados, é raro encontrar referências visuais sobre os tais cercados, o que mantém o assunto misterioso. Apesar de tudo isto bater com a teoria dos anéis de terra como antigas encerras, eles também podem ter sido construídos por povos nativos. Nesse caso a tradição popular que fala das estruturas anelares no Rio Grande do Sul poderia estar equivocada ou simplesmente incompleta, assim como aconteceu com os geoglifos do Acre. Lá, pensava-se que eles seriam “trincheiras da Revolução Acreana”, porém a hipótese ficou defasada quando arqueólogos descobriram que foram povos pré-históricos os autores daquelas construções. Diferente do que sustentam algumas correntes mais tradicionais da arqueologia, defensoras dos indígenas pré-colombianos como “pequenos grupos nômades que quase não causavam impacto no ambiente onde viviam”, essas pessoas podem ter mobilizado suas sociedades para a construção de fortificações, caminhos elevados, currais de pesca, monumentos funerários e centros cerimoniais, entre outras funções atribuídas pelos especialistas a essas estruturas de terra. É o que conta Charles Mann em seu livro “1491: Novas revelações das Américas antes de Colombo” (Ed. Objetiva, 2005). Exemplos disso são os mounds da América do Norte, os geoglifos do Acre, os cerritos e sambaquis do litoral sul/sudeste do Brasil, as elevações artificiais existentes no estado boliviano de Beni, e as antigas estradas e aldeias cercadas de fossos nas proximidades do rio Xingu, em Mato Grosso, entre outros. Rodrigo Aguiar, co-autor do livro “Geoglifos da Amazônia - Perspectiva Aérea” (Faculdades Energia, 2005), fala sobre o método de construção das formas geométricas do Acre: “cortes são escavados, e a terra extraída é, cuidadosamente, depositada ao lado do sulco, formando figuras em alto e baixo relevo”. Aguiar viu imagens dos anéis de terra do extremo-sul gaúcho e disse estar convencido de que alguns deles também podem ser pré-históricos. Assim como o arqueólogo Fábio Vergara Cerqueira: “Pensei muito nesta hipótese quando vi as fotografias. Na medida em que se descobrem geoglifos no Acre, existe igualmente a possibilidade de geoglifos em nossos campos”. André Prous relatou em seu livro “O Brasil antes dos brasileiros” (Jorge Zahar Editor, 2006) que as formas geométricas escavadas no território acreano, “muito parecidas com as assinaladas no Rio Grande do Sul, associadas à Cultura Taquara/Itararé, são em geral interpretadas pelos arqueólogos como estruturas defensivas e apresentam um fosso largo”, referindo-se àquelas já estudadas no norte/nordeste do estado. Esses sítios arqueológicos classificados como “estruturas anelares” têm entre 20 e 170 metros de diâmetro e também existem no Paraná, em Santa Catarina e até na Argentina. É possível acreditar que eles sejam similares aos de Capão do Leão e outras cidades próximas se os compararmos a uma ilustração reproduzida por Letícia Morgana Müller em sua dissertação de mestrado “Sobre ossos e índios” (PUC/RS, 2008). O desenho mostra um dos anéis de terra citados por Prous com uma borda idêntica às dos geoglifos do extremo-sul. Mas Ana Maria Rüthschlling apimenta ainda mais a discussão ao relembrar em “Pesquisas arqueológicas no baixo rio Camaquã” (UNISINOS, 1989) que a cultura Taquara seria intrusiva na região de Pelotas. Isso poderia enfraquecer a hipótese dos geoglifos em questão serem resquícios desse povo, já que seria necessário mobilizar um bom número de pessoas para se produzi-los. Ou seja: ainda há muito o que se estudar antes que se possa chegar a uma conclusão definitiva sobre os geoglifos do sul/sudoeste do Rio Grande do Sul. Até lá, a dúvida continua em aberto. Quanto tempo irá demorar até que todas essas estruturas anelares sejam escavadas e tenham suas verdadeiras funções e idades reveladas? Talvez muitos anos. Mas elas continuarão lá, inertes e silenciosas, à espera de alguém interessado em trazer à tona sua verdadeira origem. Fonte: Revista de História da Biblioteca Nacional http://rhbn.com.br/v2/home/?go=detalhe&id=2912 Geoglifos GaúchosLeia aqui a matéria "O Mistério dos Geoglifos Gaúchos", publicada em 09/05/2010 no jornal Diário da Manhã (Pelotas/RS) - Aqui com imagens extras, exclusivade do HISTÓRIA X ATUALIDADE As “mangueiras de torrões” gaúchas, velhas conhecidas dos moradores do campo, surpreendem cientistas e recebem a visita de Alceu Ranzi dos geoglifos do Acre O pesquisador veio a Pelotas e Capão do Leão/RS em abril especialmente para ver de perto estas construções, apelidadas de “geoglifos gaúchos”. Mas apesar de muitos moradores contarem que os gigantescos anéis seriam antigas cercas feitas de terra pelos escravos antes de existirem os arames de metal, não está descartada a possibilidade delas terem sido construídas originalmente na pré-história Por: Bruno Farias Uma vasta pesquisa baseada em mapas e documentos antigos, livros, revistas, sites, imagens de satélite e fotos digitais de alta definição, mais de 60 entrevistas e muitas idas ao campo. O resultado está sendo publicado aos poucos, um capítulo por mês, no website “Memórias Leonenses: personagens, lugares históricos e lendas de Capão do Leão/RS”. Feito a partir de um trabalho de conclusão de curso de Jornalismo, o conteúdo está disponível no endereço http://www.memoriasleonenses.xpg.com.br/. O levantamento localizou e estudou diversos lugares históricos do município: o túmulo de um enforcado milagreiro reverenciado há pelo menos 100 anos por fiéis que vinham até de outras cidades para fazer promessas; construções e monumentos antigos dos séculos XVIII, XIX e XX ; uma cerca de pedra de 1 km feita no tempo dos escravos; uma ferrovia centenária usada no transporte do granito das pedreiras leonenses até os molhes da barra, em Rio Grande; e as cavernas da Serra do Pavão usadas como esconderijo por abigeatários na década de 1950 que hoje são habitat de jaguatiricas. Estes são alguns dos lugares mostrados no site que, futuramente, poderão se tornar pontos turísticos de Capão do Leão. A expansão da atividade econômica na região já está começando a crescer com a expectativa da construção de um oceanário e com a vinda ao Rio Grande do Sul, em 2014, de milhares de turistas estrangeiros durante a Copa do Mundo. E a estrutura para receber visitantes já está sendo viabilizada pelos órgãos municipais leonenses: a futura reativação do trem de passageiros é um projeto que a cada dia parece estar mais próximo de virar realidade. Segundo o vice-prefeito Cláudio Vitória, a cidade já tem uma locomotiva, e três vagões serão cedidos à prefeitura, vindos de Santa Maria/RS. Além de Capão do Leão já contar com um hotel fazenda, com festividades realizadas anualmente e com lugares de grande importância histórica, a maioria em ótimo estado de conservação. Dois deles são lugares absolutamente únicos: as casas onde viveram o patrono da imprensa brasileira, Hipólito José da Costa, e a viúva de Rafael Pinto Bandeira. Ou seja, a localidade é um prato cheio para a exploração do turismo Está para ser criada a lei municipal de patrimônio, garantia da manutenção destes lugares históricos que poderão, no futuro, atrair turistas. Uma destas atrações inclusive já recebeu a visita de dois pesquisadores internacionalmente conhecidos: o pesquisador dos geoglifos do Acre, Dr. Alceu Ranzi, e o arqueólogo Fábio Vergara Cerqueira, que recuperou em Capão do Leão o maior zoólito (estátua pré-histórica com formato de animal feita em pedra) do Brasil, em formato de tubarão, datado em entre 4 e 6 mil anos de idade. Guiados por este repórter, eles foram as duas primeiras pessoas a visitarem o município especialmente para conhecer os “geoglifos gaúchos” após a sua redescoberta. As estruturas anelares de terra, já conhecidas há tantos anos pelos moradores, ficaram famosas nacionalmente em uma reportagem no site da Revista de História da Biblioteca Nacional em fevereiro de 2010. Elas chegam a ter até 120 metros de diâmetro e muitos moradores locais são categóricos ao afirmarem que são “antigas mangueiras de terra do início da colonização do Rio Grande do Sul”. Apesar de tantas pessoas já conhecerem os antigos currais, construídos antes da chegada dos arames de metal ao estado na década de 1870, eles estão causando polêmica. A ciência ainda não tinha conhecimento das encerras de gado desta época sendo feitas de terra. Até agora poucas mangueiras de pedra gaúchas foram realmente pesquisadas a fundo, e também é recente a documentação referente aos currais de palmas existentes em Santa Vitória do Palmar/RS. Segundo o historiador André Oliveira, que estudou as cercas feitas com mudas de palmeiras naquele município, a versão contada pelos moradores a respeito das “mangueiras de torrões” pode ser mesmo verdadeira: “Realmente devem ser currais. No caso de serem de terra deve-se analisar melhor as elevações, provavelmente realizadas por escravos”. O historiador leonense Joaquim Dias concorda, e estima-se que essas construções tenham aproximadamente 200 anos. Encerras deste tipo existem por todo a Zona Sul, no Uruguai e na Argentina, sendo que lá a maioria deles foi feita de pedras ou de plantas. Até agora já foram localizados mais de 1000, a grande maioria circulares, e eles podem ser vistos a partir de imagens de satélite no site Google Mapas – o que lhes rendeu o apelido de “geoglifos gaúchos”. Antes dos alambrados as cercas e divisas das propriedades rurais eram feitas com muros de pedra, elemento comum na cultura gaúcha. Ou, em locais onde o minério era escasso, com outros materiais como valas cavadas no chão; madeira de diversos tipos e até de vegetais vivos. E as trilhas e estradas onde estão as “mangueiras de torrões” se conectam com as que têm também currais de pedra e de plantas. Porém a falta de informações detalhadas sobre os currais usados pelos primeiros europeus a chegarem na região mantém a viva a dúvida quanto à verdadeira idade dos geoglifos gaúchos, e há quem não descarte a possibilidade deles serem pré-históricos, talvez tendo sido reaproveitados por tropeiros e estancieiros nos primórdios da história gaúcha. Isso ocorre devido à aparência destes enormes círculos de terra, muito semelhantes às estruturas anelares de terra da cultura Taquara existentes no norte/noroeste do Rio Grande do Sul, e com os geoglifos do Acre, datados em 2000 anos. De acordo com o Dr. Ranzi, em sua visita a algumas destas estruturas entre Pelotas e Capão do Leão, é impressionante a semelhança delas com os círculos acreanos. E o Dr. Cerqueira não descarta a possibilidade deles serem anteriores à chegada dos hispânicos. Em outros lugares do país e do continente passaram-se décadas até que as estruturas de terra pré-históricas de terra fossem conhecidas pela ciência e, mesmo assim, ainda se sabe muito pouco sobre elas. Da mesma forma que o uso das imagens de satélite na identificação e pesquisa destas obras de engenharia é muito recente. Mas apesar dos geoglifos gaúchos também serem novidade nos meios científicos, os moradores do campo já diziam que eles seriam antigos currais. Porém ainda será necessária muita pesquisa para que se possa saber a época na qual os “geoglifos gaúchos” foram erguidos. Até lá este conhecimento popular continuará esperando por uma comprovação. Imagens: 1. Capa e página 16 do jornal Diário da Manhã (Pelotas/RS) de 09/05/2010 ; 2. Logotipo do site MEMÓRIAS LEONENSES (Bruno Farias) ; 3. "Mangueiras de torrões" ou "geoglifos gaúchos" entre Pelotas e Capão do Leão/RS (Bruno Farias) ; 4. Bruno Farias e Alceu Ranzi visitam um dos geoglifos na Fazenda da Amizade, de Edar Ribeiro, em Capão do Leão/RS (Divulgação) ; 5. Fábio Vergara Cerqueira e Alceu Ranzi conversam sobre a borda de um dos antigos currais entre Pelotas e Capão do Leão/RS (Bruno Farias) ; 6. Um dos geoglifos gaúchos, feito de terra, entre Pelotas e Capão do Leão/RS (Bruno Farias) ; 7. El corral - Juan Leon Paulliere (1862) ; 8. Curral de palmas próximo ao Forte Santa Tereza, no Camino del Índio - Rocha - Uruguai (Foto de Amqvvv - Panoramio) ; 9 Curral de palmas e pedras no Camino del Índio - Rocha - Uruguai (Google Imagens) ; 10. "Arrastando torrão", década de 1930 (Acervo da Fazenda Minga Blanco - Aceguá/RS) ; 11. Corral de piedra en la estancia El Mirador - Durazno - Uruguai (Anibal Barrios Pintos) ; 12. Bruno Farias, Fábio Vergara Cerqueira e Alceu Ranzi tomam um cafézinho após a visita aos geoglifos gaúchos (Divulgação) ; 13. Alceu Ranzi posa pra foto em frente a um dos currais que estavam submersos na barragem de Edar Ribeiro, em Capão do Leão/RS (Bruno Farias) ; 14. Ariovaldo Dutra Barros, 63 anos, morador da avenida 25 de Julho (antigo Corredor das Tropas) conta sobre as rotas dos tropeiros, já no século XX, e sobre as contruções feitas com torrões de terra. Ele próprio viveu numa casa feita deste material e ajudou a construir um salão de bailes, também com torrões de terra; 15. Casa de torrões entre Herval e Arroio Grande (Foto de Roque Carvalho) Fonte: http://historiaxatualidade.blogspot.com/2010/05/geoglifos-gauchos-recebem-visita-do-dr.html HISTÓRIA NO CHÃO: O PASSADO MARCADO EM CÍRCULOS NO SULJornal Zero Hora - 06 de junho de 2010 N° 16358 HISTÓRIA NO CHÃOO passado marcado em círculos no Sul |
quinta-feira, 20 de janeiro de 2011
Geoglifos Gauchos
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Grato pela vossa visita e volte sempre.
Antes de comentar leia por favor:
1. Os comentários deste blog são todos moderados e nos reservamos no direito de publica-lo ou não;
2. Escreva apenas o que for referente ao tema;
3. Não publicaremos comentários que visem promoção pessoal ou de site, de blog, de canal ou de qualquer página na internet;
4. Tampouco publicaremos comentário com publicidade, propaganda ou divulgação de empresas, negócios, partidos, religiões ou seitas;
5. Ofensas pessoais, vocabulário de baixo nível ou spam não serão aceitos;
6. Não fazemos parcerias, debates, discussões ou acordos por meio de comentários;
7. Para entrar em contato acesse nosso formulário de contato no rodapé da página;
8. Grato por participar e deixar aqui o vosso comentário.