quarta-feira, 9 de outubro de 2013

AMY NÃO QUER MAIS FUGIR: O retrato de um estado terrorista


Aos 12 anos, Amy Minghui Yu não entendeu quando seu pai foi levado pela polícia chinesa. A explicação veio pela TV: o Partido Comunista interrompeu a programação para anunciar a proibição do Falun Gong, a religião de sua família. Duas semanas depois, foi a vez da mãe de Amy. Elas estavam juntas no momento da prisão e a filha também foi levada ao posto policial, onde passou por um teste. Para provar que não era seguidora da religião proibida, a menina deveria pisar na foto do fundador. Amy não se mexeu.
- Lembro de ouvir um dos policiais gritar “prendam!” e a minha mãe me empurrou em direção à porta. Ela disse “corra”. Eu corri o quanto pude, sem olhar pra trás. Sentia que seria pega a qualquer segundo, mas eles não vieram atrás de mim. Quando parei, lembrei que meu pai também estava preso. Eu não tinha pra onde ir.

Amy em Londres Foto: Ana Aranha

Aos 26 anos, em um café na região central de Londres, a voz de Amy embarga ao lembrar do episódio. Mais de 14 anos se passaram e ela continua fugindo, sem destino. Enquanto seu pai costura roupas em um campo de trabalho forçado na China, Amy estuda moda na Inglaterra. Ela foi à Europa com o plano de juntar dinheiro para depois voltar ao seu país e comprar a liberdade dos pais - há notícias de oficiais chineses que aceitam suborno para libertar prisioneiros. Mas o estágio que conseguiu numa revista de moda paga mal e ela desistiu da ideia.
Como outros chineses filhos de fiéis ao Falun Gong, Amy cresceu na clandestinidade: pingando pela casa de conhecidos e mudando de nome. O Partido Comunista chinês proibiu a religião de sua família em 1999. Desde então, reprime manifestações e persegue seus seguidores, que são presos e submetidos ao processo que o governo chama de reeducação pelo trabalho. Amy chama de lavagem cerebral, tortura e trabalho escravo.
Depois de presa, sua mãe foi enviada a um campo de reeducação. Wang Meihong nunca contou à filha sobre a violência que sofreu, apenas que era obrigada a assistir vídeos com mensagens negativas sobre o Falun Gong ao longo de dias sem dormir. Ela foi libertada depois de dois meses sob a condição de abandonar a religião e não sair de Mudanjiang, cidade onde a família morava, na província de Heilongjiang. “Minha mãe voltou diferente, a mão tremia, o rosto sempre tenso. Até dormindo ela franzia as sobrancelhas”, lembra Amy.
Na primeira visita ao pai, Yu Zonghai, Amy foi apresentada à violência que a mãe tentou esconder. “O lugar era sujo, tinha uma atmosfera horrível. Passamos em frente a uma sala com objetos estranhos, cordas, ferros e um banco grande de madeira. Depois soube que era um Tiger Bench”. O Tiger Bench é um aparelho bastante citado nas denúncias de tortura praticadas pela polícia da China. O preso passa dias sentado e amarrado a um banco no qual suas pernas ficam 90 graus em relação ao tronco. O suplício aumenta quando tijolos são colocados por baixo do calcanhar, elevando os pés do torturado.
“Meu pai chegou com um ferro pesado nos pés. Sua feição era péssima, ele tinha dentes quebrados e cicatrizes estranhas nas mãos, como se tivessem enfiado agulhas na ponta dos dedos. Minha mãe enlouqueceu quando o viu, começou a chorar e gritar. Fiquei apavorada, não lembro de mais nada depois disso”. Quando Amy fala dos momentos de fragilidade da mãe, sua voz embarga e ela chora. Quando relata os sinais da violência contra o pai, seu rosto fecha e o tom da voz é de raiva.

Yu Zonghai na prisão onde cumpre pena de 15 anos por ser fiel ao Falun Gong Foto: arquivo pessoal da família

Um ano depois de preso, Zonghai foi solto e teve a “chance” de renunciar a sua crença. Mas ele e a esposa viraram ativistas clandestinos do Falun Gong. Faziam reuniões sigilosas para trocar informações sobre os presos e distribuíam panfletos sobre a história da religião. O Falun Gong nasceu na década de 90 como uma das práticas da tradição chinesa que combina exercícios posturais e de respiração para o bem estar físico e mental. Mas, ao contrário do Tai-Chi-Chuan, o Falun Gong tem forte doutrina religiosa. Embora a religião não tenha templos ou hierarquia definida, Zonghai era um dos principais organizadores dos encontros em sua cidade. Depois da proibição, seu maior feito foi pendurar uma faixa no prédio mais alto da cidade onde se lia: “Falun Gong é bom”.
Pelo crime, foi sentenciado a 15 anos. A mãe de Amy, presa com panfletos sobre a prática, pegou 11 anos. Os dois cumprem suas penas em locais diferentes.
Na última visita que fez ao pai, no campo de trabalho forçado de Mudanjiang, em 2010, Amy ouviu os detalhes sobre como os guardas deram choques e cacetadas na sua nuca e peito. Zonghai sentia tonturas e enjôos, além de não enxergar direito devido a uma lesão na glândula lacrimal do olho esquerdo. Ele também contou à filha que trabalhava costurando roupas em um ambiente sujo, onde havia outros homens doentes e machucados.

Outro ângulo de Zhongai na prisão Foto: arquivo pessoal da família

Essa foi a última vez que Amy o viu, quando tirou as fotos acima com uma câmera escondida. Na Inglaterra, quando é tomada pelo terror de imaginar o pai sob tortura, Amy repete um poema que ele fez para ela e escreveu com caligrafia antiga – Zonghai era artista plástico e trabalhava na biblioteca da cidade antes de ser preso. Alguns dos versos são: “Desejo ser o vento para varrer a sujeira dos ombros da minha filha/ Desejo ser o raio de sol para manter quente o seu coração / À minha filha desejo bravura”.
Depois que desistiu de juntar dinheiro, o novo plano de Amy para ajudar seus pais nasceu de um reencontro com o Falun Gong na Inglaterra. Ela visitava uma exposição de artes sobre a religião e sentiu um choque ao ver as imagens de pessoas praticando os exercícios ao lado de retratos das vítimas. “Voltaram imagens da minha infância, de um passado bom que eu tinha esquecido. Desde meus 12 anos, o Falun Gong virou dor. Eu vivia fugindo, com medo. Nunca tinha entendido essa escolha dos meus pais em não renunciar à crença. Eu respeitava, mas não entendia. Naquele momento, eu superei o medo e entendi. O governo pode tirar tudo dos meus pais, a casa, o dinheiro, a saúde, mas eles sempre terão quem eles são”.
O turbilhão de encontros desaguou no meio do salão e Amy chorou até ser acudida pelos funcionários do museu.

Amy com sua mãe antes da perseguição à família começar Foto: Arquivo Pessoal

Desde então, ela voltou a praticar a religião e se aproximou de seguidores e ativistas que lhe colocaram em contato com organizações de direitos humanos. O novo plano de Amy é tentar lançar uma campanha pela libertação de seus pais. “Eles me mostraram que o maior medo do Partido Comunista é ser revelado ao mundo. O partido é uma farsa, está criando uma China que só pensa em dinheiro, sem valores. Nós vamos contar a verdade”.
Como muitos que vivem sob ameaça, há momentos em que Amy parece construir certezas sobre o bem e o mal que são relativas. Ela é uma das poucas que têm coragem de mostrar o rosto, mas são muitas as denúncias de violência contra os seguidores da sua religião na China.
A perseguição aos Falun Gong já foi diversas vezes denunciada na Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU). No último debate, no dia 26 de setembro, um representante da ONG United Towns Agency for North-South Cooperation falou não apenas da tortura contra os seguidores, mas sobre denúncias mais recentes de que os presos estariam sendo assassinados para uso de seus órgãos em transplantes. O representante do governo da China se irritou com a acusação e deu uma resposta bastante reveladora.
O relatório da ONU registrou a seguinte fala (em tradução livre do original em inglês):
“O representante da China, falando em direito de resposta, disse que estava desapontado com o presidente da mesa em autorizar a fala de ONGs que insultam os líderes da China em reuniões do Conselho. A China se opôs veementemente às alegações. O Falun Gong seria uma seita perigosa para a China. A China nunca teria traficado órgãos dos seguidores do Falun Gong e, se essa alegação não fosse tão ofensiva, seria uma piada. O Falun Gong foi banido por lei na China e seus seguidores foram reeducados com sucesso.



Fonte: http://br.noticias.yahoo.com/blogs/3-por-4/

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