ISTOÉ - Aposta em novos partidos?
ANTONIO FAGUNDES - Você tem 30 e tantos partidos e não sabe o que eles
pensam, de onde vieram. Sabe que são sustentados pela venda de votos e
do espaço a que têm direito na televisão. O (José) Serra (PSDB) já está
querendo ir para outro partido; é um absurdo. Se o cara está saindo de
um partido e indo para outro, ele mudou de ideologia? Porque o certo é
cada partido ter sua ideologia, uma forma de resolver os problemas que a
sociedade apresenta. Mas política no Brasil é uma zona, tem alguns
partidos e alguns políticos que, pelo menos, deveriam ter vergonha na
cara. Serra, me desculpe, mas fique quietinho no seu partido...
ISTOÉ -As recentes manifestações populares podem mudar nossos políticos?
ANTONIO FAGUNDES - Os governantes fizeram uma coisinha aqui, outra ali,
voltaram atrás em uma leizinha e acabou? Não, não. O imposto eu pago e
tem um cidadão lá no Congresso que deve cuidar das coisas em meu nome.
Isso é representatividade. Se por acaso esse cidadão vai lá e rouba o
meu dinheiro, tenho que tirar esse cara de lá e botar outro. Não sou
obrigado a aceitar o (deputado federal Paulo) Maluf, por exemplo, como
meu representante.
ISTOÉ - Mas eles foram eleitos direta e democraticamente.
ANTONIO FAGUNDES - Não sei se nós votamos mal ou se o sistema eleitoral é
muito malfeito e nos encaminha para isso. Ver o (senador José) Sarney
no poder há tantos anos é um contrassenso. Ele mudou o título para o
Amapá para se eleger. É uma vergonha ele ser eleito pelo Amapá.
ISTOÉ - A peça que o sr. vai estrear fala de uma família disfuncional. Que paralelos vê com o mundo de hoje?
ANTONIO FAGUNDES - A peça se chama “Tribos” e fala um pouco sobre
preconceito, de como o mundo está surdo. Essa peça é de uma família
disfuncional, meio louca, de pais intelectuais que têm um filho surdo,
mas decide que ele não deve ser considerado surdo. Até que ele conhece
uma menina que sabe a língua dos sinais e começam a aparecer os
preconceitos. É muito interessante porque estamos vivendo num mundo
surdo mesmo.
ISTOÉ - Mas essa não é a era da comunicação?
ANTONIO FAGUNDES - É. Mas na era da comunicação as pessoas estão se
excluindo porque elas estão em tribos, separadas e surdas. Porque nem a
voz mais você ouve. Eu não tenho computador. Eu sou um analfabyte. E
isso é uma opção ideológica. Lembro sempre dos criadores de cavalo
quando o automóvel foi inventado. Para eles foi o fim do mundo, mas era o
futuro. O cavalo que se dane. Então, é inevitável que daqui a alguns
anos não tenha mais livro físico. Mas espero que demore muito porque eu
gosto do livro de papel.
ISTOÉ - Tem página no Facebook?
ANTONIO FAGUNDES -Não. As pessoas falam: “Como é que você consegue?” A
internet é o maior exemplo de exibicionismo da humanidade. Só que vai
chegar uma hora em que as pessoas vão se sentir angustiadas, porque
precisam da privacidade. A gente jogou a privacidade no lixo. Em troca
do quê?
ISTOÉ - O que acha das leis de incentivo à cultura, como a Lei Rouanet?
ANTONIO FAGUNDES - Estamos vivendo um momento delicado com a Lei
Rouanet. Muita gente vai cair em cima de mim por causa disso, mas essas
leis de incentivo são improdutivas. Uma lei cultural deve financiar o
estímulo à cultura, o aumento de pessoas com acesso a isso. E não é o
que está acontecendo, porque o governo deixou de decidir quem merece ou
quem não merece, quem estimula e quem não estimula. Agora, são os
gerentes de marketing que determinam a política cultural do País, mesmo
sem entender nada de teatro. Quando o governo passou isso para as mãos
de gerentes de marketing, tirou o seu da reta. E nesse processo temos
duas censuras, que não tivemos nem na época da ditadura
ISTOÉ - Que censuras?
ANTONIO FAGUNDES - Censuras econômicas: uma delas é do governo dizendo
se você pode ou não captar, porque eles recebem 20 mil projetos por ano e
aprovam dois mil. Mas não sabemos o critério de aprovação. A outra
censura é a do gerente de marketing, porque se ele disser que não, você
não monta seu espetáculo. Então você vê espetáculos que seriam
importantes de serem montados, mas não são, e espetáculos que não têm
tanto valor sendo montados.
ISTOÉ - Não se consegue montar espetáculo sem patrocínio?
ANTONIO FAGUNDES - Atualmente, somente com patrocínio. Ninguém mais
consegue se manter apenas com a bilheteria. Os custos subiram tanto que
você pode cobrar o ingresso que quiser que não se mantém. Tanto que os
espetáculos não ficam mais de dois meses em cartaz, a não ser aqueles
que têm um aporte contínuo de patrocínio. Nos meus 47 anos de profissão,
tive três patrocínios. Sempre acreditei que enquanto tivesse público
continuaria em cartaz. Hoje em dia não interessa mais isso, você pode
lotar que vai ter de sair dois meses depois. E, nesse círculo perverso,
os teatros não alugam o espaço mais do que dois meses. Eu diria que,
assim como o livro, o teatro está acabando.
ISTOÉ - O cinema está na mesma situação?
ANTONIO FAGUNDES - Hoje em dia, nenhum filme brasileiro se paga, nem o
que teve dez milhões de espectadores. E 90% dos filmes brasileiros têm
menos de 20 mil espectadores. E menos de 20 mil não são 19 mil, são 500,
600, 1,2 mil pessoas. A gente ouve falar que determinado filme teve
mais de um milhão de espectadores. Mas são apenas uns quatro que
conseguem e nós fazemos 100 longas por ano. Na última pesquisa que vi,
tinha uma fila de 200 filmes na prateleira porque não conseguiam sala
para exibição, embora o Brasil tenha 2,5 mil salas. Competimos com
cinema americano, francês, alemão, etc.
ISTOÉ - Para muitos, César, seu personagem em “Amor à Vida” (César
Khoury), é um vilão. Para outros, ele é um típico cidadão brasileiro. O
que o sr. acha?
ANTONIO FAGUNDES - O César é um cara eticamente inabalável, tem as
convicções dele no hospital, e é íntegro. Mas tem amante, é homofóbico
convicto e já fez umas cagadas no passado. Isso faz você pensar na
complexidade do ser humano. O Walcyr (Carrasco, autor da novela) tem
essa característica que acho ótima: foge do maniqueísmo, da caricatura
do bom e do mau. Isso dá profundidade, humanidade para os personagens e
confunde o público, de certa forma. Mas ter uma surpresinha é sempre
bom.
ISTOÉ - Muita gente se identifica com o César?
ANTONIO FAGUNDES - Isso é surpreendente. Uma pesquisa mostrou que 50%
das pessoas se identificam com ele. Deve ter homossexual homofóbico
também, o que aparentemente pode ser um contrassenso, mas não é. Tem
pessoas que são preconceituosas com a própria classe, a própria tribo.
Mas essa reação do público mostra que o tema merece discussão mesmo. A
gente sempre ouve falar de homofobia e imagina aquelas cenas horríveis,
dos caras batendo em homossexual. Mas a homofobia pode ser mais violenta
ainda sem levantar a mão. Acho que o Walcyr foi muito feliz e muito
corajoso nessa abordagem.
ISTOÉ - Qual é a sua opinião sobre homossexualidade?
ANTONIO FAGUNDES - Acho que a opção sexual é como ser vegetariano. Foro
íntimo. Esse negócio de mandar as pessoas saírem do armário é
questionável. Por que a pessoa tem que sair do armário? Não precisa! Ela
faz o que quiser na vida íntima, não é obrigada a abrir sua intimidade.
A cobrança acaba sendo outro tipo de preconceito. Agora, aqueles que
saíram têm que ser respeitados. A verdadeira ausência de preconceito é
respeitar tudo.